O ano de 2011 foi um divisor de águas para o cenário de vendas. Foi nesse ano que o livro Receita Previsível, escrito por Aaron Ross e Marylou Tyler foi lançado. Nele, os autores trazem estratégias e processos que até então eram realidade apenas para as grandes empresas do Vale do Silício e seus parceiros.
Ao popularizar o conceito de Inbound Marketing e Outbound 2.0, explicando de forma simples e prática, o Receita Previsível foi um grande diferencial na vida de vários gestores comerciais (eu incluso). A partir dele, muitas pessoas passaram a enxergar vendas como uma ciência e não apenas uma área pautada em feelings e talento nato.
Mas afinal de contas, o que o livro Receita Previsível traz de tão interessante que mudou a vida de tanta gente? Simples. Ao invés de apenas ensinar uma metodologia ou processo, os autores trouxeram um dos cases de vendas mais famosos da história: o da Salesforce.
Receita Previsível na Salesforce: do 0 a 100 milhões
Hoje em dia é muito difícil conhecer alguém que nunca tenha ouvido falar da Salesforce. Além de ser o maior CRM de vendas do mundo, também é conhecido pelo seu processo comercial.
Foi lá dentro que o Aaron Ross começou a implementação do Receita Previsível. Ao invés de trabalhar com equipes comerciais compostas por apenas Executivos de Vendas, ele entendeu que a segmentação do processo entre pré-vendas e vendas era essencial para garantir um bom resultado de vendas.
Ao realizar a divisão entre SDRs (representando pré-vendas) e Vendedores (representando vendas), foi possível garantir que sempre haveria disponibilidade de atendimento no início do funil de vendas e que os executivos poderiam focar no que faziam de melhor, vender. Não é preciso dizer para quem já atua na área que os vendedores em média também não são muito fãs de prospectar. No final, essa especialização de papéis foi extremamente benéfica para toda a operação comercial.
Baseado nessa e algumas outras premissas que iremos falar ao longo do artigo, Aaron Ross foi capaz de levar a Salesforce de 0 a 100 milhões de dólares em tempo recorde. Qual empresa não gostaria de ter um resultado semelhante? Acredito que nenhuma.
Mas o que o Receita Previsível traz?
Hoje, todos nós estamos bem acostumados com os termos Inbound Marketing, Outbound Marketing, Sucesso do Cliente, dentre vários outros. Porém, antes da Receita Previsível, pouquíssimas empresas tinham conhecimento do que isso significava. Além disso, menos pessoas ainda tinham conhecimento como implementá-los em suas estratégias de vendas.
Explicaremos um pouco mais a fundo os ensinamentos mais importantes do livro. Vamos lá?
Net, Spears and Seeds
A tradução desses termos quer dizer Redes, Lanças (ou arpão, dependendo do contexto) e Sementes. Basicamente, ele fala que essas três abordagens podem ser utilizadas para gerar receitas.
Redes (Nets) se referem ao Inbound Marketing. Por meio da produção de conteúdo para SEO, redes sociais, email marketing, dentre outras atividades, é possível gerar vários leads de forma passiva. Para facilitar a compreensão, é só pensarmos no cenário de pesca marinha. Uma rede quando está no mar irá pescar muito mais peixes que uma vara ou arpão. Porém, não será possível escolher o que será capturado.
Ao consumirem o conteúdo oferecido no site/blog da empresa e seus emails de nutrição, o lead conheceria melhor os problemas que ela resolve e como os seus resultados podem ser melhorados. Ao converter em uma landing page de final de funil ou página de "Fale com um consultor", ele deixaria o seu contato para o SDR entrar em contato para realizar a qualificação inicial.
Uma estratégia de Inbound Marketing bem feita tem o potencial de gerar vários leads no início do funil para o comercial trabalhar e é especialmente efetiva para produtos de ticket baixo e intermediário (até R$ 2.000,00) e em mercados onde as personas estão online.
Já a lança (Spears) é referente ao Outbound. Diferente do Inbound (redes) que captura um grande volume de leads, ele é extremamente focado. Ao invés de prospectar um alto número de empresas por dia, o Outbound é extremamente efetivo para prospectar algumas poucas, porém com mais perfil.
Ele é efetivo para vendas mais complexas e com ticket médio elevado (acima de R$ 2.000,00). Também pode gerar resultados para vendas menos complexas, porém o LTV (Lifetime Value) precisa compensar um CAC (custo de aquisição do cliente) maior, pois o Outbound em média tem um ciclo de vendas mais longo.
Sementes (Seeds) são basicamente as indicações. Elas podem chegar por meio de clientes satisfeitos (que o livro trata como campeões), por amigos e também por ações de Relações Públicas (famoso PR, ações em mídias tradicionais, eventos e etc).
Em média, são os leads mais baratos possíveis, pois já possuem um conhecimento do que sua empresa faz e a referência positiva que receberam pode encurtar bastante o ciclo de vendas. Porém, sua geração é extremamente imprevisível, pois diferente do Outbound que possui a Inteligência Comercial gerando listas e o Inbound com o site/blog, a estratégia de sementes depende de indicações, que não funcionam de forma constante e ações na mídia tradicional, que são difíceis de mensurar.
Outro ponto interessante citado por Aaron Ross no Receita Previsível é a integração entre Marketing e Vendas. Como ambos possuem foco em gerar mais receita (marketing indiretamente por geração de leads e fortalecimento de marca), devem sempre conversar entre si para potencializarem seus resultados.
Outbound 2.0 - Porque ele não é telemarketing?
Ninguém gosta de ser prospectado. Podemos dizer também que ninguém gosta de prospectar! Além de estarmos todos acostumados a conviver com o telemarketing, mesmo as prospecções bem feitas funcionam dentro de um processo interruptivo. Não importa o momento do dia do seu lead, mas a sua ligação vai interromper alguma atividade que ele está realizando.
Baseado nessas premissas, o mercado durante certo tempo deu o processo de Outbound como morto. Porém, o que vemos no Receita Previsível é uma abordagem diferente. Ao invés de ligar para leads frios, sem o menor contexto, o foco passou a ser prospectar apenas empresas que já tivessem um conhecimento prévio da oferta.
Muitas pessoas podem se perguntar: como isso é possível? A resposta é simples: encaminhando um email antes.
Normalmente, os melhores fluxos de cadência começam com um email, independentemente dele ser o melhor canal de conversão. É a partir dele que o seu lead terá contato com sua empresa, entenderá melhor sua oferta, dando um contexto maior para a sua cold call.
Com esse contexto, é possível ligar sem utilizar um script pronto e que com certeza seria cansativo para o lead. Dessa forma, é possível estabelecer um relacionamento logo no início do processo comercial, seja ele Inside Sales ou Field Sales (vendas externas).
Existem outras premissas dentro do conceito de Outbound 2.0 que são interessantes de serem compreendidas. Elas são:
- A prospecção não pode ser feita por profissionais com pouca experiência. SDRs e BDRs precisam ter uma boa qualificação para gerar valor
- Não deve ser feito Outbound 2.0 com produtos não validados no mercado
- Como falamos no início do artigo, o processo precisa ser segmentado. O vendedor não deve prospectar
- Seu público deve estar online. Emails são completamente inefetivos para públicos offline
- Os emails devem ser enviados com contexto. O mínimo é que a equipe de prospecção saiba o cargo, empresa, dentre outras informações relevantes geradas na pré-qualificação
É interessante citar que todas essas premissas foram validadas na prática, provando mais uma vez que o Outbound nunca esteve morto. Ele precisava apenas de uma repaginada!
Pontos importantes do livro
Uma das premissas para o sucesso do processo de vendas, segundo os autores, é existir uma geração de leads previsíveis, o que faz todo sentido.
Na prática, as empresas tendem a focar bastante no final do funil. Logo, é comum de tempos em tempos os vendedores ficarem sem oportunidades para trabalhar, tornando a previsibilidade de resultados da área comercial algo extremamente incerto.
Ao mesmo tempo, por mais que os processos propostos no Receita Previsível sejam extremamente benéficos para as empresas que o implementarem, jamais deve ser desconsiderado o fator humano. Todo profissional de vendas, por mais qualificado que seja, possui um tempo de rampagem (tempo necessário para gerar resultado).
Logo, é preciso levar esse tempo médio quando novos vendedores são contratados para dimensionar de forma correta as metas e resultados.
Outro tópico relevante tem a ver com volume de atividades. Normalmente, no início do funil, o volume de atividades é muito maior. Gerar listas, enviar cold mails e realizar cold calls é trabalhoso. Mesmo se esse trabalho for muito bem executado, as taxas de conversão não são muito elevadas. Já no final do funil, atividades como envio de propostas, follow ups e etc são realizadas em menor volume, porém geram maior valor (maiores taxas de conversão).
Portanto, a atenção dos gestores deve ser focada na taxa de conversão (indicadores de produtividade comercial) e não no volume de atividades como número de ligações e disparos de email realizados por cada membro da equipe. Só isso efetivamente dirá o quão produtivo o comercial foi.
Acompanhamento de indicadores
Os autores do livro advogam muito em defesa do acompanhamento de indicadores de forma constante. Como a implementação da metodologia requer um alto volume de testes, é preciso saber o que está performando bem e o que deve ser melhorado.
O tempo médio de validação dessa abordagem é de aproximadamente 12 meses. O resultado pode vir antes, mas ter um Playbook bem definido e replicável vai demorar em média esse tempo, depois de todos os pontos básicos do processo comercial forem validados.
Logo, deixar de acompanhar os indicadores é uma garantia de que esse tempo será ainda maior, pois sem o acompanhamento correto, é impossível saber o que está funcionando bem ou não.
Quem não entrou na Era dos Dados em vendas pode até ter implementado o Receita Previsível, mas dificilmente sabe o quão bem sucedido ou não ele foi.
Ter uma área ou ferramenta de Inteligência de Negócios dentro do comercial é o primeiro passo para saber a performance da sua equipe em tempo real!
O Receita Previsível funciona no Brasil?
Essa é uma pergunta interessante para se ter em mente. Existem várias diferenças entre o mercado Norte Americano, onde o processo foi construído para o Brasil. Usaremos algumas informações como exemplo.
Nos EUA, existem 150 milhões de usuários no LinkedIn. No Brasil, 35 milhões. Praticamente metade da população americana está na maior rede social de trabalho do mundo. Enquanto isso, no Brasil esse número é de aproximadamente 16%. O que isso quer dizer na prática?
Se formos levar em conta a população economicamente ativa dos EUA, praticamente todos possuem uma conta no LinkedIn. Com isso, realizar o processo de Outbound 2.0 se torna algo muito mais simples.
Por meio de ferramentas como o Seamless por exemplo, é possível extrair os emails dos leads diretamente do LinkedIn, abrindo outra frente de prospecção. Portanto, é relativamente mais difícil encontrar um mercado que não seja possível realizar os processos defendidos pelo Receita Previsível.
Enquanto isso, no Brasil menos de um terço da população economicamente ativa está LinkedIn. Ao mesmo tempo, existem vários usuários que não usam a rede com frequência. Quem já trabalhou vendendo exclusivamente para instituições de ensino e saúde sabe o quanto pode ser difícil seguir esse processo.
Não estamos falando que as fórmulas do Receita Previsível não funcionam no Brasil. Existem vários cases de sucesso por aqui, inclusive. Porém, a questão é que não é em todos mercados que ele será efetivo.
E esses não são os únicos pontos do Receita Previsível que precisam ser bem pensados para o cenário nacional. Quer saber quais são os outros?
Segmentação do processo
O Brasil é um país cheio de nuances. Seja na forma como trabalhamos, gerenciamos o nosso relacionamento com o mercado, nosso idioma, além de toda nossa insegurança jurídica, o Brasil definitivamente não é para amadores.
Por conta disso, é muito difícil uma empresa estrangeira conseguir se fixar no Brasil sem contratar uma equipe por aqui. É preciso muito conhecimento da dinâmica interna de fazer negócios para crescer uma empresa por aqui.
Agora, quando falamos especificamente do comercial, as diferenças são ainda mais gritantes. No contexto norte americano é mais fácil encontrar leads online, seja no LinkedIn ou em outras fontes. Portanto, o próprio BDR pode gerar suas listas sem muito esforço.
No Brasil, entretanto, são raros os mercados onde grande parte das personas se encontram 100% online. Por isso, muitas vezes é necessário ter pessoas na equipe 100% dedicadas à geração de listas. Eles são conhecidos como Inteligência Comercial.
Portanto, no Brasil o processo é ainda mais segmentado do que nos EUA. Tentar seguir a forma deles de trabalhar em relação ao começo do funil pode não ser muito proveitoso por aqui. Não tropicalizar sua abordagem pode ser uma garantia de fracasso!
Discurso Comercial
Quem já vendeu para leads americanos vai entender muito bem esse ponto. O discurso comercial sugerido pelo Receita Previsível, principalmente na prospecção e formatação de emails, é extremamente objetivo.
Veja bem, isso não é um ponto ruim. Porém, essa abordagem no Brasil não funciona muito bem. É preciso realizar uma introdução mínima da empresa e oferta, pelo menos. Sem essa abordagem, é muito difícil melhorar as KPIs de vendas.
Ao mesmo tempo, a venda no Brasil carrega um aspecto mais relacional. O lead se importa bastante com a entrega, mas a forma como o relacionamento foi construído ao longo da negociação é uma variável extremamente importante. Saber gerar rapport em vendas por aqui é uma das chaves do sucesso em vendas.
No contexto dos EUA, os autores pregam uma abordagem mais direta ao ponto, o que encaixa bem no perfil dos leads de lá, que possuem uma visão um pouco menos relacional e mais tecnicista.
Veja bem, não estamos falando que um é melhor e outro pior. Porém, processos sempre devem ser adaptados ao contexto que serão implementados.
Sales isn't a number games as we think (Vendas não é um jogo de números como nós pensávamos)
Quando falamos de planejamento estratégico em vendas, muitos ignoram algumas variáveis essenciais. A primeira delas é que não adianta contratar mais vendedores e SDRs para vender mais. É preciso ter demanda (lead) para todos trabalharem.
É comum ver empresas contratando 10, 20, 30 vendedores sem nem ao menos ter leads para todos trabalharem. Os efeitos perversos disso são os mais diversos. Os principais são:
- Demissões. Sem ter demanda para trabalhar, esses profissionais de venda dificilmente irão gerar qualquer tipo de retorno
- Dano ao employer branding (marca empregadora) da empresa
- Dificuldade para contratar novos vendedores no futuro
- Aumento do grau de incerteza dentro da equipe. Todos acham que podem ser demitidos
- Performance da equipe cai
Para contratar mais, também é preciso planejar o marketing (o autor é um grande defensor da tese, como falamos no início do texto), além de ações de geração de lead dentro do Outbound, para garantir que haverá demanda.
O Receita Previsível revolucionou vendas
O livro é ótimo. Disso não temos dúvida. Ele mostra um caminho que já foi testado e validado por várias empresas de sucesso. Porém, não pode ser levado ao pé da letra.
É comum encontrarmos operações comerciais que tentam implementar o processo sem olhar para sua própria realidade. Mesmo se a proposta do livro não faz sentido para o seu contexto, ainda sim tentar usá-lo apenas porque outros estão tendo sucesso com ele.
Isso é um erro que pode fadar qualquer empresa a falência ou viver momentos difíceis. Quem trabalha com vendas sabe que o contexto sempre domina e é variável mais relevante antes de tomar qualquer decisão.
Agora me diz. Você já tentou implementar o Receita Previsível em sua operação? Compartilhe conosco sua experiência!